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Diogo Pereira Rib,eiro d~eVasconcelos

1807
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§ 260 'I'

Dos répteis, a cobra de diferentes nomes jararaca, cascavel e outras são


perigosíssimas; raro é o que sobreviveà picada ou mordedura delas. Acoral é a I
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menosvenenosa. Nossertões, as cobras sucuriús, de prodigiosagrossura e com-


primento, e jacarés também disformes,são temíveise atrevidos. Outras espéci- H
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es existem igualmente mortíferas. Asurucucu é uma delas; dá-se nos mat.ose


tem de particular um grande ferrão na cauda.
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§ 270

Cresce em grande cópia toda a espécie de gado vacum e cavalar, princi-


palmente nas vastas planíciesda comarca de São João deIRei,e nos sertões das
do Sabará e Serro, e margens do rio de São Francisco, cujos pastos salitrosos
são próprios para esta produção e criações. Comose tenham multiplicado, é ,
hoje o bom mercado de duas até quatro oitavas cada cabeça de gadovacum,que (
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na infância da capitania valia dez e mais oitavas. O gado porcino produz em '"
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muita bastança e faz de tempos atrás bem comoovacum,umdos mais lucrosos
ramos do comérciodesta para as capitanias de beira-mar, Bahiae Pernambuco.

§ 280

Quanto ao gado ovelhum,a sua penúria é prova do mehoscabo em que os


povosde Minás o têm. Ac~apitaniaé fértil de caça assimlterrestre, qual o veado,
o porco do mato, o coelho e outras espécies, cemo do ar, qlIaLacodorna, seme-
lhante à perdiz de Portugal e à perdiz, que em vol'llmenão é menor do que a
gáHnha;muitas outras aves das quais enumerej"acima, uma grande parte faz
objeto ôa caça.

§ 290

Devendofinalmentetratar d0s habitantes da capitania, justo é principiar


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pelos indígenas,homens silvestres e montesinhos,denominadosvulgar e impro". b,
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.l}riamenteíndios, o que vem de se ter dado à América, no seu descobrimento, o
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~ de Índia, à imitação do Quese deu à oriental, derivado~dorio Indo Quenela
corre.

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§ 300
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Os índios de Minasdividem-seem diferentes nações, ou melhormente tri-


bos, espalhadas pelas,grandes matas Quevêmdo Paraíba e Mantiqu~eira
fixarno
rio Doce, e daí seguindo toda a comarca do Serro até as raias das capitanias
limítrofes e costas marítimas. As matas da Mantiqueira habitam os Maraquitás
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e o ArariQue,como Croatose alongamao RioPreto, povoadotambémdoCOf9pó.
" Nossertões deArrepiadosexiste o Pori-merime, nos de AbreCampo,o Poriaçu,
i~ o Jurupi~e
~ o~Samixuma.BravosBotocudosinfestamossertões
. dos rios Matipiaú,
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III
Cuieté,Manaçú:
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Guandúe do rio Doce. OMonaxoe Malalivivemhoje aldeados
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no descoberto do Pe;,çanha,nossos amigos~bem como ()são os Maconês e"


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Camaraxos dos tocaios, no distrito de MinasNoyas.
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§ 310 .,
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Homens todos selvagens, pouco diferem uns dos outros no~quetoca a,seus
usos, maneiras e idéias que são poucas e relativas-somente às necessidades
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físicas. Se alguma noção têm de Deus, é muito vaga e remota, nem consta que
cogitemde umavida futura. Vivemda rapina e pesca e, principalmente,da caça.
O que me faz convir na opinião de Quepretendem que o primeiro emprego do
homem.. no estado da natureza fosse o de caçador. Preguiçosos em geral, i1ão~
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cuidam de cultivar a terra, nem de modo algum devida. Aldeadosno centro das
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matas, vivemincomunicáveisuns comoutros e sempre em guerra. Dentnetodbs
o mais fero é o Botocudo, antropófago e até agora indomável. Não conhecem
outras armas à exceção do arco e flecha, armas terríveis, e uma vez emprega-
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das, sempre mortíferas. Errantes pelà maior parte, principalmente o Botocudo,
i~ que pouco se demora em suas rancharias, deixando-as a miúdo Gobertas dos
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'.{~ sinais de toda a qualidad~ede operações físicas, a menor circunstância os faz
U múdar de domicílio.Há todas as aparências para crer que são monógamos.Tais
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enfim.quaisem geral os descreve Robertson,no tomo 2°~desua Históriada Amé-
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rica, a ex&tuar algumas coisas, que sendo peculiares de algumasnações silves-

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tres, se não podemaplicar às de Minas,o que talvez se deva às informações;ao
menos no que toca às idéias da religião, da imortalidade da alma e algumas
outras, não as teve de todo exatas o historiador inglês.

§ 32°

Aforma em quase todos é a mesma, salvono que respeita à estatura mais


ou menos ordinária;.cor de cobre, testa e narizes achatados, olhos pequenos,
cabelo preto estiriçado e solto, faces proeminentes e largas; eis aqui os sinais
característicos dos índios. Alguns movemos pés pela parte interior, o que faz
com que as mulheres ocultemoslábios e ninfas da vulvaporque, assim comoos
homens, andam todas nuas. Elas e eles, sem pêlo algumno corpo, à exceção do
Samixuma, que mostra b,arbas e as deixa crescer. Nota, porém, o regente do
Camaraxó,emmemóriasua que tenho às mãos, que este selvagemtem semblan-
te pouco diferente do dos europeus, sem proeminência e largura de faces; dan-
do-lheo crédito que merece, devodizer que isto comumentese não obêervanas
diversas nações.de índios. A natureza como que distinguiu uns dos outros, os
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indígenas de cada uma das quatro partes do globoterrestre.

§ 33°

Todos,geralmente, fazem consistir uma parte do seu ornato eIll,pi,n17u'lJaS


com que orna~ o corpo e estas [são] de diversas cores. O BotoGwàottemde
particular a introdução de umarodeIa de pau em o beiço inferim:t<-llH~iJura,afim
de a sustentar; ó que, alongando-lhe o mesmo beiço, o afteiaiao1\I;0SSO modo de
ver, porque entre eles esta extravagância faz parte da,geptileza,se não é, como '"
querem muitos: um distintivo convencional que osex1\remadas outras nações.
Entre muitos costumes, é de homens e mulheres fioirarem..seas orelhas e traze-
rem pendentes dos furos, por adorno, paus omfílamentosde algodão.

§ 34°

As mulheres seguem seus maridos à guerra, pejados seus braços e costas


dos fiilhoslactantes e dos poucos móveis de que usam. A música do índio é des-
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compassada e uníssona; suas danças, igualmentedesagradáveis, pela uniformi-


da(ie de posturas e gestos. Esquecidos do passado, e sem curar do futuro, são
indiferentesao presente. Preguiçosos,desconfiados,cru_éise supersticiosos,são
inimigosdotrabalho, aborrecem as diversas tribos, amam as hostilidades,invo-
a cam os animaissilvestres e crêem nos agouros a que são"dados:oTal é ainda hoje
o infelizestado de milhõesde homens dispersos pelas vastas florestas e sertões,
não digo só da capitania mas do novomundo em geral.

§ 35°
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Os habitantes da capitania são europeus e os seus descendentes, negros
que se transportam daÁfrica;emulatos ou pardos, que provêm.doeuropeu e de
africanas; cabras, que são os filhos de mulatos e negras, ou viceversa; aos ne-
'" grospascidosno,país'chamam crioulos; e mestiços, enfim,aos que nascem de
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pai europeu e mãe amer~cana,ou pelo contrár;io.


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'" § 36°
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- Os negros, mulatos e cabras escravos empregam-se ordinariamente nos
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duríssimo~trabalhos da mineração e lavoura das terras agrícolas. Exercitamas
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artes e ofíciosmecânicos,principalmenteos crioulose o,§homenspardos forros.
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Os europeus são ordinariamente os proprietários da capitania, os que cultivam
o comércioe servem os cargos públicos.Detodos tenhq aiiidaa tratar na,segun-
da parte destaobra. ..."'
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CAPÍTULO 2° '""
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= Cotppreende'a capitania uma cidade, treze vilas e mUitosarraiais. Farei
resumida relação de cada uma das primeiras e de alguns dos s"egundos mais
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notáveis. ~ ""'

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se também que, com a criação do novo presídio da Malhada foi mandado abolir o de
São Romão; cuida"se igualmente da extinção do de Bambuí, por desnecessário. É de
saber, enfim, que os cinco destacamentos seguintes. o quartel-geral das cabeceiras ~
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do Prata e os presídios àe Belém, da Casca de Guanhães e do Peçanha foram nova-

mente estabelecidos pelo governador Pedro Maria Xavier, como barreira de defesa
contra os insultos do botocudo que, desde o ano de 1794 tem feito consideráveis
estragos em nossa gente.24 Em ordem a guarnecer os três primeiros, formou o go-
vernador uma esquaàra de 70 caçadores, com o soldo cadaum de 150 réis por dia.
do que dando parte a Sua Alteza Real houve já em resposta confirmação desta es-

quadra. Como, porém, o botocudo, acossado por esta parte, levasse suas hostilida-

des aos estabelecimentos portugueses do distrito da vila do Príncipe, foi o governa-


dor obrigado a'levantar os dois últimos presídios, a assentar praça a 40 caçadores

com o soldo dos primeiros, e a 20 índios monaxós e malalis, a soldo cada um de 40


reis diários. É este o único meio de preservar os portugueses das invasões de tão

fero inimigo e de fazer aproveitar quatrocento~ ou mais fazendas desamparadas de


seus donos, àentre as quais tem sido grande parte VÍtima do botocudo, desde aquele
ano de 1"194 até o pretérito de 1806. O visconde de Barbacena, que governava quan-

do as hostilidades principiaram, opôs-se-Ihe as mesmas bàrreiras, criando os desta- 155 ---ir..~


camentos de Belém, Casca e de Santana, que guarneceu de soldados da tropa de

linha. Não foiiporém estacionária esta força e, portanto, suas providências se malo-
graram.

CAPÍTULO 11 ij
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1[1
POVOAÇÃO E COSTUM~S

Artigo 10
Ipdígen(J;s

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Fica escri.tona 1aparte, art. 5°, desàe o § 'f/l em diante quais sejam os "
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habitantes da capitania. TeFlàüentão dado idêia perfunctória do infeliz estado
dos indígenas, cumpre~meagoI1arelatar as providências empregadas a fimde.

~4 XA. '\Iota-se que. declarando"'se guerra ofensiva ao botocudo, pela carta régia de 5 de maio de
1801, todo o ternktório infestado por estes índios foi dividido em 6 distritos, a que se deram
outros tantos comandantes com os postos de alferes agregados ao regimento da cavalaria. e
com autoridade de regular o número dos soldados e de os escolher. t:

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<'; civilizare de aproveitar esta porção da espécie humana. Vivemna secretaria de
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Minas ordens régias a este respeito, dignas dos pios e esclarecidos soberanos
que as ditaram; os meios porém adotados para a sua.execuçãonão têm respon-
dido às esperanças dos legisladores e de seus delegados. Debalde se há traba-
lhado em aldear os índios e em os civilizar; não há mão poderosa que os faça
permanecer entre nós, nem eloqüência que os persuada a deixar seus usos e as
brenhas que os viram nascer. Causas desta desgraça devemter sido a índolee
condição de uns e o temor ea desconfiança de outros! Oantropófago botocudo
não admite convenções de paz e amizade. As outra~tribos não acreditam em
nossa sinceridade, seja pela má escolha dos mestres, seja pelo mau tratamento
dos diretores, homens de curta esfera, que se não convencem que o sejam os
índios sem uma religião e sem,instituto algum'social. Desconfiados, pois, das
nossas boas intenções, e ensinados pela experiência dos males que se lhes têm
feito, já em agressão, já em defesa, não é fácil acomodar a nossos costumes,
estes bárbaros. Demoslágrimas à ceguidadehumana, resistindo sempre ao bem
que se lhe proporciona.Ahistória de todos os tempos, sem,esquecera de nossos
ensangüentadosdias,infelizmenteprovaesta verdade. ~
156

§ 2°

É preciso achar o meio de arrancar os indígenas ao ineférlo das preocupa-


ções. Ogovernador visconde de Barbacena trabalhou profiosamente na sua felicida-
de; deuZJ.hesmestres, erigiu-Ihes templos, acolheu a muitos em sua casa; foi porém
nulo o resultado desuasJadigas, bem à maneira do qU6produziram as de alguns de
seus predecessores, entre os quais, é digno de especial comemoração Luis Diogo
Lobo da Silva"O'gbvernador eedro l\1aria,coerente com ele~,procura acertar na boa
o; escolhaI' dos regentes, remove os incapazes e recomenda aos que lhes substituem
energia e brandura em reduzir os selvagens à igreja e ao estado. Oxaláque suas
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vigíliasoecuidados se,pão malogrem! Não se.,persuadem homens bárbaros a demitir
seus costumes por utensílios de ferro e miçangas, por bagatelas; nem aldeamentos,
chegados aos matos e dirigidos por homens sem luzes, órfãos de humanidade, e, por
mestres ignorantes, pOdemafastar o índio dos lugares natais.

-- - -- --
§ 30

Desesperar de sua educação é fraqueza. Ohomem,que se não deixa con-


vencer dos princípiosdojusto e do honesto, que aborrece~asociabilidadea pon-
to de extinguira raça humana, nutrindo-se do seu sangue, éum monstro que se
deve exterminar ou domesticar em ferros na escuridão dos cárceres.
Semelbantemente,o botocudo,devoradordos animais da mesma espécie, insen-
sível às vozes da razão e da humanidade, que o convidamà sociedade,,deveser
ofensivamenteperseguidoe apunhaladoaté que os males de parte delesrendam
o resto aos deveres; talvez assim obre a força, o que da brandura se não tem
pOdidoconseguir. Comolevantou Pedro, o Grande (sj]jcetÍllpaI'VÍsetc.), o bár-
baro russiano aferrado aos costumes de seus maiores, do abatimento?Quesan-
gue não lhe custou só o instituto, com que se não acomodavam, de raspar as
barbas? Mas com a proscrição de uns poucos, aproveitou a maior parte. Regra.
geral: a força é feita para homens incapazes de educação e de princípios.

§ 40
,.. 157 --'-:r.

Quantoaos outros índios,fazer-Ihesa guerra é a primeira das crueldades.


Tah'ezque. espalhados PO(nossos estabelecimentos, logoquenos vêmprocurar
em amigos,ou logoque os tomamosemguerra defensiva,fizéssemosdestes bár-
baros vassalos úteis. Se é dificultosofazer mudar de costumes homens já feitos
e encanecidos nos prejuízos originais, não o é acostumar seus filhose descen-
dentes. desde a infância,à religião, leis e usos dos povosque os educarem. Pos-
sa um dia a experiência realizar estas verdades de uma teoria consoladora. A
capitania necessita de povoadores,comose vai mostrar no artigo seguinte.

Artigo 20
Habitantes

Admira que a povoação de Minas no período de mais de um século. e em


tantas centenas de léguas. importe. conforme o mapa. na pequena soma de 406.915
pessoas de todas as classes, idades e se-xos.O maior número é o dos escravos de
todas as cores; segue-se o dos libertos. e. em muito menor quantia. o dos brancos.

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