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CATÁSTROFE MORAL

As trincheiras da primeira guerra Mundial dizimaram a mocidade européia. Ao mesmo tempo, a


influência avassaladora da Way of – life americana, isto é, o modo de vida adotado nos Estados Unidos
consagrada pela vitória militar dos aliados e tomada especialmente em seus aspectos hollywoodianos, a
saber, inspirados nos estilos difundidos pelos filmes de Hollywood, operava uma espécie de Revolução
Cultural, abalando a civilização tradicional do Velho Mundo.
As promessas no início do século foram afogadas em um banho de sangue, e simultaneamente –
perdoem os leitores a trivialidade da expressão – em um “banho de coca-cola”, ou seja, na força
dissolvente dos novos costumes (1).
Estudiosos afirmam que a Primeira Guerra Mundial que começou em 1914, introduziu uma era de
decadência moral sem precedentes. No seu livro The Generation of 1914 (A Geração de 1914), o ilustre
professor de história Robert Wohl escreveu: “os que sobreviveram à guerra jamais poderiam desfazer-se
da idéia de que um mundo acabara e outro começara em agosto de 1914”.
No fim dos anos 20, surgem nessa época os primeiros sintomas do fenômeno “geração nova”,
também conhecido em alguns ambientes como “geração coca-cola”. Notam-se, no tipo humano que vinha
desapontando, certas fragilidades, os quais provocam estranheza nas gerações anteriores.
Aqui começa o processo à restrição moral e os velhos costumes começam a serem rejeitados
dentro do contexto liberal, que serão substituídos pelo conceito “vale-tudo”, nada de autocensura. O
historiador Frederck Lewis Allen comenta: Os dez anos que se seguiram à guerra podem ser bem
chamados de década das Más Maneiras... com a velha ordem de coisas deixaram de existir valores que
davam riqueza e significado à vida, e não foi fácil encontrar valores substitutos”.
A Grande Depressão, que afetou o mundo todo na década de 30, lançou as pessoas na extrema
miséria, fazendo com que levassem as coisas mais a sério. No fim dessa década, porém, o mundo entrou
numa guerra ainda mais devastadora – a Segunda Guerra Mundial. Não demorou muito para que as
nações começassem a fabricar temíveis armas de destruição. Assim, o mundo saiu bruscamente da
Depressão, mas mergulhou em sofrimento e horror além da imaginação humana. Quando a guerra acabou,
centenas de cidades estavam em ruínas; duas no Japão, Nagasaki e Hiroshima, foram arrasadas, cada uma
delas por uma única bomba atômica. Milhões de pessoas morreram em horríveis campos de concentração.
Ao todo, o conflito tirou a vida de cerca de 60 milhões de homens, mulheres e crianças. 6 milhões de
judeus e quase outro tanto de “indesejáveis”, religiosos, ciganos, homossexuais, esquerdistas, eslavos,
foram sistematicamente trucidados.
Durante as condições horríveis da Segunda Guerra Mundial, em vez de aderirem aos antigos
padrões tradicionais de decência, as pessoas adotaram os seus próprios códigos de comportamento. O
livro Love, Sex and War – Changing Values, 1939-45 (Amor, Sexo e Guerra – Mudança de Valores,
1939-45) observou: “Parecia que as restrições sexuais haviam ficado suspensas durante a guerra, e a
licenciosidade típica dos campos de batalha estava entrando nos lares... A urgência e a agitação da época
de guerra logo corromperam as restrições morais, tornando a vida fora dos campos de batalha tão
insignificante e curta como a vida dentro deles”.
Após a Segunda Guerra Mundial, foram publicados estudos sobre o comportamento sexual
humano. Um desses estudos, realizados nos Estados Unidos nos anos 40, foi o ‘Relatório’ do zoólogo e
pesquisador americano em sexualidade Dr. Alfredo Charles Kinsey (1894-1956), com mais de 800
páginas, mais conhecido como ‘Relatório Kinsey”. O resultado foi que muitas pessoas começaram a falar
abertamente sobre sexo, o que antes era um assunto tabu. Embora as estatísticas apresentadas nesse
relatório a respeito de pessoas que se envolviam em homossexualismo e em outros comportamentos
sexuais pervertidos fossem mais tarde encaradas como exageradas, o estudo expôs o repentino declínio
moral após a guerra.
Nos anos 50, ocorre a grande revolução do lazer e do cotidiano, provocado pelo movimento sexo,
drogas e rock-and roll, a beat-generation, seus anexos e conexos. Como explica o egrégio professor
Plínio Corrêa de Oliveira, surgiu então “um feito de espírito que se caracteriza pela espontaneidade das

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reações primárias, sem o controle da inteligência nem a participação efetiva da vontade; pelo predomínio
da fantasia e das ‘vivências sobre a análise metódica da realidade”.
Na década de 60, o movimento hippies libera geral a depravação junto com a galera de
Woodstock. Woodstock parecia um acampamento de refugiados das Nações Unidas, onde em vez de
comida, trocavam-se maconha e cogumelos alucinógenos por alguns dólares. Preservativos usados
boiavam nas poças de água, ao lado de sapatos velhos. Em maio de 1968 estoura a revolução estudantil da
Sorbonne. Com o dístico “é proibido proibir”.
Por algum tempo, foi feito um esforço para preservar uma aparência de decência. Por exemplo,
matéria imoral era censurada no rádio, no cinema e na televisão. Mas isso não durou muito. William
Bennett, ex-secretário da Educação, dos EUA, explicou: “Nos anos 60, porém, a América iniciou uma
queda vertiginosa e incessante para o que pode ser chamado de descivilização.” E isso se refletiu em
muitos outros países. Por que o declínio moral se intensificou nos anos 60?
Foi nessa década que ocorreram quase simultaneamente o movimento de libertação das mulheres e
a revolução sexual com a sua chamada nova moralidade. Também foram desenvolvidas eficientes pílulas
anticoncepcionais. Quando deixou de haver receio de concepção nas relações sexuais, o “amor livre” ou
as “relações sexuais sem compromisso de ambas as partes” tornaram-se comuns.
Ao mesmo tempo, os códigos de moral da imprensa dos filmes e da televisão afrouxaram. Mais
tarde, Zbigniew Brzezinski, ex-chefe do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, disse o seguinte
sobre os valores apresentados na TV: “Eles exaltam claramente a auto-gratificação, fazem com que a
violência intensa e a brutalidade parecem normais e incentivam a promiscuidade sexual”.
Já nos anos 70, os videocassetes tornaram-se populares. Na privacidade de seus lares, as pessoas
podiam ver agora matéria imoral sexualmente explícita, que nunca assistiram em público numa sala de
cinema por medo de serem vistas. Em tempos mais recentes, a internet tornou possível que em todo o
mundo, qualquer pessoa com um computador tenha acesso à espécie mais repugnante de pornografia.
Joseph Gasper, professor de sociologia da Universidade Johns Hopkins, diz que “a cultura
americana relaciona violência e masculinidade. Isto está numa infinidade de filmes, videogames e séries
de TV. E se está na produção cultural é porque se encontra na sociedade”.

A CULTURA DA TRAPAÇA

O cientista político David Callahan, autor do livro The Cheating Culture (A Cultura da Trapaça).
Em seu livro Callahan mostra que a grande discrepância que há entre as superestrelas e as pessoas
comuns leva todo mundo a fazer “o que for preciso, até trapacear, para chegar ao topo”. Entre outras
coisas que acontecem nos Estados Unidos, ele menciona “estudantes do ensino médio e da faculdade que
trapaceiam”, “pirataria” de música e filmes, “roubo no trabalho”, “fraude em larga escala na área de
saúde” e uso de esteróides nos esportes. Ele conclui: “somando a isso todas as diversas formas de infração
ética e legal, chegamos a uma crise moral de grandes proporções. A trapaça está em todo lugar”.
O jornal The New York Times disse que o furacão Katrina, que assolou os Estados Unidos no fim
de 2005, “deu origem a uma das mais surpreendentes ondas de fraudes, tramas e espantosos erros
burocráticos na história moderna”. Uma senadora dos EUA relatou: “A fraude descarada, a audácia das
tramas, a magnitude do desperdício – são simplesmente chocantes”.
O jornal África News de 22 de junho de 2006, numa reportagem a respeito de um “seminário sobre
abuso sexual e pornografia” em bairros pobres de uma região de Uganda, disse que é por causa da
“negligência dos pais que a prostituição e o uso de drogas aumentou nesses lugares”. O jornal observou:
“O Sr. Dhabangi Salongo, responsável pela Unidade de Proteção à Criança e a família, da delegacia de
Kawempe, disse que os índices de violência doméstica e de abuso sexual de crianças tinham aumentado
muitíssimo”.
Hu Peicheng, secretário geral da Associação de Sexologia da China, em Pequim, declarou:
“Antigamente, na sociedade tínhamos um senso do que era certo e do que era errado. Agora podemos

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fazer o que bem entendemos. “Um artigo na revista China Today explicou esse assunto do seguinte modo:
“A sociedade está ficando cada vez mais tolerante no que diz respeito a casos extraconjugais.”
“Parece que todo mundo está tirando a roupa e usando o sexo como estratégia de vendas”, notou
recentemente o jornal inglês Yorshire Post. “Pouco mais de uma geração atrás, esse tipo de ação teria sido
considerado um ultraje do ponto de vista moral. Hoje somos bombardeados por todos os lados com
imagens de sexo, e a pornografia... já criou raízes na sociedade em geral.” O jornal acrescentou: “Hoje em
dia é considerado normal famílias verem livro, revistas e filmes que antigamente só deveriam ser vistos
por maiores de 18 anos. E, segundo aqueles que fazem campanha contra a pornografia, muitas vezes o
alvo declarado dessas matérias são as crianças”.
O jornal The New York Times Magazine disse: “[Alguns adolescentes] falam de [suas experiências
sexuais] com a mesma naturalidade com que falam sobre o que vão almoçar”. A revista Tweens News, “o
guia para os pais de crianças de 8 a 12 anos”, observou: “Num rabisco de criança, uma menina escreveu
uma mensagem de partir o coração: ‘Minha mãe está me pressionando para que eu namore rapazes e
tenha relações sexuais. Tenho apenas 12 anos... socorro!’”
Como os tempos mudaram! O jornal canadense The Toronto Star declarou que não muito tempo
atrás “só a idéia de homossexuais ou lésbicas viverem juntos abertamente já era ultrajante”. No entanto,
Bárbara Freemen, professora de História Social na Universidade de Carleton, Ottawa, Canadá, observa:
“O que as pessoas dizem hoje é: ‘Vida particular é isso mesmo, vida particular. Não queremos que outras
pessoas se intrometam’”.
Sem dúvida, nas últimas décadas, a moral deteriorou-se rapidamente em muitos lugares no mundo
todo.

E A RELIGIÃO?

Será que a religião está livre da “cultura da trapaça?”


O pesquisador de opinião pública o americano George Gallup Jr, diz que “em termos de
fraudação, sonegação de impostos e pequenos furtos, realmente não se constata muita diferença entre os
afiliados a igreja e os não afiliados, em grande parte porque existe uma religião social”. Acrescenta que:
“muitos simplesmente montam uma religião que lhes seja conveniente, que os excite agradavelmente e
que não seja necessariamente desafiadora. Alguém chamou isso de religião á la carte. Esta é a fraqueza
principal do cristianismo neste país [EUA] hoje em dia: não há firmeza de crença”.
O pastor americano Ted Haggard, de 50 anos, foi afastado no dia 4 de novembro de 2006, da
posição de pastor principal da New Life Church. Foi acusado de envolvimento com um garoto de
programa e de ter comprado metanfetaminas (tipo de entorpecente) (2).
A New Life Church é uma megaigreja, com 14 mil membros, localizada nos Estados Unidos.
Haggard era também presidente da Associação Evangélica Norte Americana, que congrega 45 mil igrejas
e 30 milhões de fiéis (10% da população do país). Por sua liderança conservadora, por sua condenação ao
homossexualismo e por suas ligações com a Casa Branca, Haggard era considerado um dos líderes
evangélicos mais influentes nos Estados Unidos (3).
“Aos olhos da justiça, a igreja evangélica Renascer em Cristo é um antro de pecado. Na semana
passada, a justiça de São Paulo decretou a prisão de seus dois líderes, o “apóstolo” (pastor) Estevam
Hernandes e sua mulher, a “bispa” (pastora) Sonia. O casal fugiu para escapar da cadeia. A detenção foi
pedida pelo Ministério Público de São Paulo, porque os Hernandes faltaram a uma audiência de um
processo no qual são acusados de estelionato e lavagem de dinheiro. A dívida imobiliária da Renascer
soma 12 milhões de reais e a igreja responde a mais de 110 ações civis impetradas por suas vítimas. Para
o promotor, o crime é ainda mais grave porque a Renascer recebeu dos fiéis dinheiro suficiente para pagar
as dívidas com os locadores, mas o casal Hernandes teria preferido embolsa-lo, já que enriqueceu a olhos
vistos desde que a igreja foi fundada” (4).
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Os fundadores da igreja apostólica Renascer em Cristo, Estevam Hernandes Filho e Sonia Haddad
Moraes Hernandes, podem ser presos quando chegarem ao Brasil. A justiça de São Paulo decretou,
ontem, a prisão preventiva e pediu a extradição do casal, que foi preso na terça feira em Miami, Estados
Unidos, mas conseguiu o hábeas corpus.
Estevam e Sonia foram presos ao tentar entrar com US$ 56 mil nos Estados Unidos. O casal tinha
declarado à alfândega do país estar com apenas US$ 10 mil. Havia dinheiro escondido até na capa de uma
bíblia na bagagem da “bispa” Sonia (5).
Na conferência sobre o Cristianismo na América Latina e no Caribe, realizada em junho de 2003,
na Faculdade Batista e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o frei Carlos Josaphat, doutor
em teologia, denunciou: “Há muito ‘religiosismo’ no mundo, mas nunca houve tanta falta de sentido de
Deus”. E continuou: “Hoje há uma religião de objetos, de terapia barata, de utilitarismo, de comércio com
Deus. Aí a globalização faz aliança com a religião”.
Segundo o diretor presidente da Editora Mundo Cristão, Mark Carpenter, estamos, “num paraíso
de pastores oportunistas e da teologia do consumo” (6).
È uma catástrofe herética o consumo do sagrado pregado pela imoral teologia da prosperidade.
Esta teologia tem no seu esquema o intuito da destruição da tradição da espiritualidade cristã. Ela assumiu
todo programa capital da economia da pós-modernidade. Não há ética para seus propagadores. Não existe
escrúpulo em suas igrejas mercados. No cerne do seu programa está o pensamento do poeta satírico latino
Juvenal (60-130), que diz: “Quem liga para a reputação se consegue agarrar o seu dinheiro?”
A teologia da prosperidade no seu esquema neo-pagão, tem desmoralizado em parte a tradição
protestante.
Esta teologia é adultera, porque ela é casada com mitologia grega da riqueza e tem como amante o
capitalismo da pós-modernidade.
Esta teologia tem destruído a moral, a fé, a espiritualidade e o equilíbrio emocional de muita
gente.

CONCLUSÃO

Vivemos dentro de uma guerra imoral aberta e direta, em que todo tipo de armas são
descarregadas sem respeito, em cima daqueles que estão lutando contra o sistema de corrupção, da
imoralidade, da destruição da vida, da fé e da cultura da trapaça.
Sabemos que a indústria da pornografia e seus congêneres têm lucros monstruosos, por isso não
medem esforços organizados para acabar com a “verdadeira Religião de Jesus Cristo” e seus verdadeiros
promotores da moral, dos bons costumes, da paz, da justiça e da dignidade humana.
“Em meio a obstáculos de toda ordem, a Igreja permanecerá ensinando aos homens o verdadeiro
caminho do Salvador. Em nossa época, com a força da opinião pública condicionada ao poderio dos
meios de comunicação social, uma grave tentação é ceder, fazer concessões para evitar problemas e
dificuldades oriundas da fidelidade a Cristo. Na sociedade anti-cristã, como na nossa, muitos acobertam,
sob o manto de falso catolicismo, uma decomposição moral e decadência espiritual que conduzem a
atitudes exatamente opostas ao Evangelho”, declara magistralmente Dom Eugênio Sales, Cardeal e
arcebispo emérito do Rio de Janeiro (7).

Pe. Inácio Jose do Vale


Pároco da Paróquia São Paulo Apóstolo
Professor de História da Igreja
Faculdade de Teologia de Volta Redonda
e-mail: pe.inaciojose.osbm@hotmail.com
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REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIAS

(1) Catolicismo, setembro de 1999. pp. 28 e 29.

(2) Impacto, julho- agosto de 2002. p.25

(3) Ultimato, janeiro – fevereiro de 2007.p.21.

(4) Veja, 06/12/2006. pp. 90 e 91.

(5) Jornal do Brasil, 11/01/2007. p. A5.

(6) Ultimato, março – abril de 2007. p.58.

(7) Jornal do Brasil, 31/03/2007. p. A9.

PENNA, Antonio Gomes. Introdução à Filosofia da Moral, Rio de Janeiro: Imago, 1999.

_________, Introdução à Psicologia do Século XX, Rio de Janeiro: Imago 2004.

RUSSEL, Bertrand. História do Pensamento Ocidental, Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e Martins. Maria Helena Pires, Filosofando: Introdução à
Filosofia, São Paulo: Moderna, 1986.

O Homem em Busca de Deus. Editores: International Bible Studentes Association, Brooklyn, New
York, U.S.A. Sociedade Torre de Vigia de Bíblia e Tratados, Cesário Lage, SP. 1990.

RUSS, J. Pensamento Ético Contemporâneo, São Paulo: Paulus, 1999

VIDAL, M. Moral de Atitudes – I. Moral Fundamental, Aparecida: Santuário, 1993.

RAUBER, J.J. O Problema da Universalização em Ética, Porto Alegre: EDIPUCRS,1999.

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