You are on page 1of 8

A ÁGUIA E O DRAGÃO: AMBIÇÕES

EUROPEIAS E MUNDIALIZAÇÃO NO
SÉCULO XVI
SERGE GRUZINSKI
GRUZISNKI, SERGE. A ÁGUIA E O DRAGÃO: AMBIÇÕES
EUROPEIAS E MUNDIALIZAÇÃO NO SÉCULO XVI. SÃO PAULO:
COMPANHIA DAS LETRAS, 2015.
• “O que se sabe na Europa sobre a China de Zhengde e o México de Moctezuma, nos
primeiros anos do século XVI? Na verdade, nada, embora desde algum tempo antes os
portugueses visitem o litoral da Índia e os espanhóis circulem pelo Caribe. A China e o México
ainda não faziam parte dos horizontes europeus. Então os ibéricos se lançam sempre no
desconhecido ou no vazio? Esse salto prefigura aquela propensão europeia a se interessar,
custe o que custar, pelas terrae incognitae?”

• “A metáfora do salto é sedutora mas enganosa, pois não dá conta do estado de espírito e das
práticas dos nossos navegadores. Eles não singram rumo ao desconhecido. A partir do início
do século XV, os portugueses embarcaram na construção progressiva, e por muito tempo
tateante, de uma talassocracia balizada por suas experiências marítimas e pelos saberes que
recolheram aqui e ali.”
GRUZISNKI, SERGE. A ÁGUIA E O DRAGÃO: AMBIÇÕES
EUROPEIAS E MUNDIALIZAÇÃO NO SÉCULO XVI. SÃO PAULO:
COMPANHIA DAS LETRAS, 2015.
• “Sem dúvida, as expectativas criadas por Marco Polo circularam mais depressa do que sua obra,
que por muito tempo foi pouco acessível aos leitores da península Ibérica. E é em Castela que se
observam os efeitos mais espetaculares dela: em 1492, para a primeira viagem de Colombo, os
marinheiros serão recrutados mediante a tentação de descobrir um país onde as casas teriam teto
de ouro, belo golpe publicitário inspirado pelo Livro do milhão. Mas qual relação estabelecer entre
o genovês e o veneziano?”

• “Já não se crê hoje que Colombo tenha lido Marco Polo antes de partir para o Novo Mundo. Como
é provável, seus conhecimentos se limitavam então àquilo que a famosa carta de Toscanelli dizia a
respeito. E é somente a partir da primavera de 1498 que ele mergulhará no Livro do milhão [...].
Em todo caso, a silhueta do Grande Khan se ergue constantemente diante dos olhos de Colombo,
assim como diante dos olhos da rainha Isabel, que remete ao genovês credenciais que ele devia
apresentar ao Rei dos Reis e a outros senhores da Índia.”
GRUZISNKI, SERGE. A ÁGUIA E O DRAGÃO: AMBIÇÕES
EUROPEIAS E MUNDIALIZAÇÃO NO SÉCULO XVI. SÃO PAULO:
COMPANHIA DAS LETRAS, 2015.
• “Tudo o que Colombo vê e descobre é interpretado, e ele não é o único a fazer isso, à luz dos
dados fornecidos pelo mapa de Toscanelli. Ou, mais exatamente, o genovês não descobre nada:
ele reconhece, encontra, e sua última expedição ainda se apresentará como um empreendimento
de etapas programadas. Durante a primeira viagem, sempre sem avistar terra no horizonte,
imagina ter ultrapassado Cipangu e acha preferível seguir diretamente para terra firme, até a
“cidade de Quinsay a fim de entregar as cartas de Sua Alteza ao Grande Khan, pedir uma resposta
e retornar com ela”. Portanto, o rumo é o continente asiático.”

• “Na verdade, o empreendimento português em direção à China se baseia em informações muito


mais sólidas do que a carta de um florentino familiarizado com as audiências papais ou com os
escritos deixados por Marco Polo. Ele foi concebido e maduramente preparado em Lisboa. Objetos
da Ásia chegavam regularmente ao grande porto do Tejo desde os últimos anos do século XV, e
entre eles brocados e porcelanas da China, bem antes que essa terra fosse atingida por navios
portugueses.”
GRUZISNKI, SERGE. A ÁGUIA E O DRAGÃO: AMBIÇÕES
EUROPEIAS E MUNDIALIZAÇÃO NO SÉCULO XVI. SÃO PAULO:
COMPANHIA DAS LETRAS, 2015.
• “O alvo tem um nome, o ‘país dos chins’, e adquire progressivamente uma existência física,
humana e material. A conquista de Malaca pôs os portugueses em contato com uma
importante comunidade chinesa ali instalada havia muito tempo. [...]”

• “A cidade abriga uma população cosmopolita de negociantes, vindos de todos os grandes


portos da Ásia, sobre a qual Pires [Tomé Pires, feitor do Rei D. Manuel] se mostra inesgotável.
Malaca é sem dúvida uma das praças onde é possível obter o máximo de informações sobre
as rotas marítimas dessa parte do mundo e sobre as comunidades mercantis que as
percorrem. [...]”
GRUZISNKI, SERGE. A ÁGUIA E O DRAGÃO: AMBIÇÕES
EUROPEIAS E MUNDIALIZAÇÃO NO SÉCULO XVI. SÃO PAULO:
COMPANHIA DAS LETRAS, 2015.
• “Se os colonos espanhóis do Caribe puderam imaginar que se encontravam a uma pequena
distância de sociedades prósperas e comerciantes, foi por causa das esperanças e das ilusões
semeadas por Cristóvão Colombo, seguro como estava de ter atingido as paragens do Japão e do
império do Grande Khan. Pelas razões que já vimos, o Livro do milhão de Marco Polo, que poucos
haviam lido, mas do qual muitos tinham ouvido falar, se interpunha entre Castela e o Novo
Mundo. [...]”

• “No prólogo que abre sua tradução, o dominicano Rodrigo de Santaella se explica e se revela bem
mais do que um simples tradutor. [...] Humanista formado em Bolonha e em Roma, autor de
numerosas obras de moral cristã, promotor de uma reforma do clero, grande amante de arte, ele
se interroga sobre a identidade dos descobrimentos castelhanos no oceano ocidental. Sua
tradução de Polo é abertamente dirigida contra Colombo. Nesses primeiros anos do século XVI,
quando o genovês já está em sua quarta viagem, Santaella refuta a ideia de que as ilhas ocidentais
façam parte das Índias descritas por Marco Polo.”
GRUZISNKI, SERGE. A ÁGUIA E O DRAGÃO: AMBIÇÕES
EUROPEIAS E MUNDIALIZAÇÃO NO SÉCULO XVI. SÃO PAULO:
COMPANHIA DAS LETRAS, 2015.
• “Santaella é sensível aos transtornos provocados pelas expedições ibéricas. São precisamente
elas que incitam a reler o livro de Marco Polo sob uma luz diferente. Com frequência
questionou-se a veracidade dos relatos do veneziano, e estes podem parecer inverossímeis se
a pessoa se ativer à moldura restrita de ‘nossa Europa’, de uma Europa anterior aos
descobrimentos. [...]”

• “O humanista apresenta igualmente outro argumento, mais sutil e mais profundo. A obra de
Polo não tem um interesse apenas ‘geográfico’. Também deve ser lida ‘para que nossa gente
não deixe de extrair dela uma série de proveitos’. É que ela contém elementos suficientes
para suscitar a reflexão do cristão. [...]”
GRUZISNKI, SERGE. A ÁGUIA E O DRAGÃO: AMBIÇÕES
EUROPEIAS E MUNDIALIZAÇÃO NO SÉCULO XVI. SÃO PAULO:
COMPANHIA DAS LETRAS, 2015.
• “No fundo, por que a ideia de que a Ásia está ao alcance da mão resiste tão bem? Porque se
Santaella tivesse razão e as Índias do veneziano não fossem as do genovês, a convicção de que se
havia chegado a um terreno ‘conhecido’ desabaria. E, com ela, o entusiasmo dos marinheiros e as
certezas dos investidores que esperavam recuperar-se com as riquezas da Ásia. Subitamente, o
salto no desconhecido se tornava um salto no vazio e a exploração, um empreendimento às cegas.
[...]”

• “Os espanhóis estão prestes a enfrentar sociedades que jamais tiveram contato com o resto do
globo. Aqui, nada de intermediários muçulmanos, nada de mapas indígenas a interpretar ou de
lembranças mais ou menos nebulosas a destrinçar, nenhuma diáspora mesoamericana fixada nas
ilhas para facilitar o encontro. [...] ‘Dos navios, avistamos uma grande povoação [...] e, como a
população era numerosa e jamais, na ilha de Cuba ou em Hispaníola, havíamos visto algo
semelhante, nós a denominamos o Grande Cairo’.”

You might also like