You are on page 1of 15

Universidade Federal de Santa Maria

Centro de Artes e Letras


Departamento de Letras Clássicas e Linguística
Literatura Greco-Latina em Tradução

Poesia Épica:
A Ilíada, de Homero
Prof. Dr. Enéias Farias Tavares
Caros Alunos

A fim de aprofundar alguns tópicos do nosso estudo


sobre a poesia épica greco-latina, preparamos algumas
lâminas que nos ajudarão na compreensão dA Ilíada de
Homero. Primeiramente, estudaremos os principais
elementos que caracterizam esse poema como exemplar
de uma espírito guerreiro do período micênico e arcaico
grego. Depois, veremos como a descrição do escudo de
Aquiles no Canto XVIII evidencia muitos dos elementos da
cultura grega na qual Homero e os aedos ou rapsodos
viviam. Por meio de algumas imagens, mapas e outros
recursos visuais, compreenderemos como a estrutura dA
Ilíada se constrói, sobretudo na ênfase nas duas iras de
Aquiles. Por fim, veremos como a vontade humana se
sobrepõe à vontade divina nesse poema e como muitas de
suas personagens prenunciam o espírito trágico que
nasceria na Grécia três séculos mais tarde.

Boa leitura!

Enéias Tavares
Parte I
Características da Poesia Épica
Teoria dos Gêneros, de Aristóteles.

O texto pode ser


Trágico ou Épico (ações nobres)
ou
Lírico (ações corriqueiras).

Assim se institui o genus narrativum – rapsodo diante do auditório;


o genus liricum – palavra cantada pelo poeta;
genus dramaticum – palavra representada por atores.

Poesia Épica (Séculos VIII e VII a. C.)


Homero – A Ilíada e A Odisséia
Hesíodo – A Teogonia e Os Trabalhos e os Dias

Poesia Dramática (Século V, IV e III a. C)


Tragédia – Ésquilo, Sófocles e Eurípides
Comédia – Aristófanes e Menandro

Poesia Lírica (Século VIII-II a. C.)


Gênero Popular, Monódico ou Coral.
Executado em Diferentes Contextos: Casamentos, Funerais, Rituais
Religiosos, Ações Bélicas, Festividades em Geral.
Parte I
Características da Poesia Épica
Em termos simples, A Ilíada trata da Ira de
Aquiles, guerreiro grego, e seus efeitos num
período de 40 dias durante o nono ano da guerra
de Troia. Diferente do que muitos guias
comentam, nem o início nem o fim da guerra é
descrito nesse poema. Antes, o que temos nele é
a descrição de determinados tipos de heróis e
sua honra em combate. Do lado grego,
destacam-se, além de Aquiles, Agamêmnon,
Menelau, Nestor, Ájax e Ulisses, entre outros; do
lado troiano, os irmãos Heitor e Páris, filhos de
Príamo, rei da cidade, além de Enéias, filho de
Anquises, personagem secundária nA Ilíada que
terá importância central no épico romano de
Virgílio, A Eneida, como fundador de Roma.

Embora o enredo dA Ilíada e dA Odisseia seja


anterior ao período de sua composição – ao que
tudo indica a guerra de Tróia ocorreu no século
XII a. C. –, o que ele revela é a sociedade grega
dos séculos em que foi composto. Nesse caso,
os tratos bélicos dA Ilíada, os costumes
palacianos dA Odisséia, a cultura grega agrária,
pecuária, bélica, jurídica e social, que é descrita
nas camadas do escudo de Aquiles, no canto
XVIII dA Ilíada.
Parte I
Características da Poesia Épica
Rios e Mares

Festa Nupcial

Agricultura

Cidade em Paz

Esta é uma possível representação visual Sol, Lua,


dos elementos presentes na descrição do Estrelas
escudo de Aquiles, forjado e esculpido por e Céu
Hefestos, na parte final do Canto XVIII dA
Ilíada. Tal descrição nos ajuda a perceber
Cidade em Guerra
quais são os principais elementos que
compunham a cultura grega dos séculos VIII
e VII, comumente aceitos pela crítica como o
período de composição/compilação desses
poemas como nós conhecemos.

Fonte da Imagem Original:


http://www.celtiberia.net/articulo.asp?id=1376
Parte II
A Ilíada, de Homero
Características Gerais. A Ilíada possui 15693 versos. Quase setenta por cento
desses não apresenta Aquiles, o protagonista do poema de acordo com o
Exórdio (“Canta ó musa a Ira de Aquiles...”), e sim cenas de batalha e do
cotidiano de Tróia e do acampamento Grego, os principais cenários do poema. A
musa dA Ilíada faz o Aedo cantar a Ira de Aquiles e suas funestas
conseqüências. São duas, uma motivada pela honra ferida, que vai do Canto I
até o XV, e outra por cega vingança, do canto XVI até o XXIV. A primeira
responde à ação tirânica e desonrosa de Agamêmnon ao tomar para si a presa
de guerra de Aquiles, Briseida. A segunda, à morte de Pátroclo nas mãos de
Heitor.

Estrutura Temporal. A Ilíada narra 41 dias, do nono ano da guerra de Tróia.

Morte e Violência perpassam a Ilíada. São mais de 240 heróis mortos, 53


gregos (aqueus) e 189 troianos (dárdanos), e mais de 60 modos diversos de
anunciar a morte de uma personagem. A morte perpassa o poema, sobretudo no
seu ideal de honra e valentia bélica. No campo de batalha, os heróis lutam com
armas e palavras. São genealogias, histórias e ofensas, que são trocadas entre
as personagens. Embora apenas dois dos protagonistas morram no decorrer
dos seus 24 cantos, o grego Pátroclo e o troiano Heitor, a morte perpassa o
destino de todos. Ájax e Aquiles sucumbirão com a cidade de Tróia e com seus
heróis, nobres e servos. Outros, morrerão longe dali, como Agamêmnon, ao
retornar para Argos. Já Ulisses, levará dez anos para retornar à Ítaca,
totalizando duas décadas longe de seu lar e de sua família.
Heróis dA Ilíada
Ulisses, rei de Ítaca, esposo de Penélope e pai de Telêmaco.
Páris, príncipe troiano, raptor de Helena.
Heitor, irmão de Páris, esposo de Andrômaca e principal guerreiro troiano.
Enéias, filho de Anquises e Afrodite, futuro fundador de Roma.
Menelau, rei de Esparta e marido de Helena.
Aquiles, filho de Peleu e Tétis e principal guerreiro grego.
Agamêmnon, rei de Argos, esposo de Clitemnestra e pai de Orestes.
Parte II
Os Reinos da Coligação Grega contra Tróia
Fonte: http://academic.reed.edu/humanities/110tech/iliad.html
Páris e o
Pomo da
Discórdia

O mito conta que Páris, príncipe troiano, foi o


responsável pelo conflito entre Gregos e
Troianos. Antes de raptar Helena, ele foi
procurado por três deusas que o escolheram
como juiz de uma disputa que escolheria qual
das três era a mais bela. Hera, esposa de
Zeus, prometeu a ele poder ilimitado. Atená, a
deusa da sabedoria, compreensão de todos
os assuntos terrenos e divinos. Afrodite, a
deusa do amor, a conquista da mais bela
mulher. Paris escolhe Afrodite, o que
assegura a ele o amor de Helena. Tal decisão
também explica o porquê de, nA Ilíada, Hera e
Atená defenderem os gregos e Afrodite
proteger e salvar os Troianos.
Parte II
A Ilíada, de Homero - Enredo

Foi Erich Bethe que chamou a atenção para o paralelismo


entre os cantos IX e IXX, os cantos da embaixada e da
reconciliação entre Aquiles e Agamêmnon. Segundo Bethe,
esses cantos dividem A Ilíada em Três Partes, que findam
ao entardecer, o que nos faz imaginar uma recitação de um
dia para cada parte. Cada uma dessas partes apresenta de
um modo o tema da Ira.

Parte 1 (Cantos I-VIII). A primeira Ira resulta na vitória dos


Troianos, que acampam fora das muralhas no canto VIII.

Parte 2 (Cantos IX-XVIII). Chamada de A Patrocléida,


termina com a morte de Pátroclo e com a confecção da
nova armadura de Aquiles, que inclui o escudo.

Parte 3 Cantos XIX-XXIV). Essa mostra a vingança contra


Heitor e a reconciliação entre Aquiles e Príamo.
A Primeira Ira de Aquiles (A Ilíada, Canto I):
Contra Agamêmnon pelo Rapto de Briseida

Tiepolo, Atena Impedindo Aquiles de Matar Agamêmnon, 1757


A Segunda Ira de Aquiles (A Ilíada, Canto XXII):
Contra Heitor pela Morte de Pátroclo

Howard David Johnson, A Ilíada, 2006


Parte III
A Interpretação dA Ilíada

São dois os grandes problemas interpretativos ofertados pela epopeia


homérica. O primeiro diz respeito à oposição entre Vontade Individual e
Destino Divino.

01. Destino x Individualidade nA Ilíada.

Werner Jaeger, em Paidéia, escreve que nesse poema, “o homem


aparece, senão como senhor do seu destino, pelo menos, em certo
sentido, como co-autor inconsciente dele”. (p. 76) Na Ilíada, “toda a
ação tem uma vigorosa motivação psicológica”. É aquele jogo de
Heráclito, no qual “O caráter do homem é seu destino”, ou seja, ação
humana e influência divina são ambas uma coisa só, mescladas e
entrelaçadas. Nesse poema, há “uma duplicidade característica.
Qualquer ação deve ser encarada ao mesmo tempo sob o ponto de
vista humano e sob o ponto de vista divino.” (2003, p. 76-80)

Um belo exemplo desse paradoxo está no primeiro canto, quando


Aquiles confronta Agamêmnon quanto ao rapto de Briseida. Aquiles é
impedido por Atená que lhe sussurra no ouvido outra escolha. Tomou
Aquiles uma decisão sábia ou foi ele convencido pela vontade da
deusa? Tais episódios são recorrentes nA Ilíada fazendo o leitor
questionar sobre a origem das decisões e ações humanas.
Parte III
A Interpretação dA Ilíada

O segundo problema refere à interpretação de algumas personagens dA


Ilíada como prenunciadoras do Drama Trágico.

2. Aquiles, Pátroclo e Heitor como Heróis Trágicos

Sobre isso, Albin Lesky escreve em A Tragédia Grega:

“A genialidade dos poetas da Ilíada, colocando como centro de cristalização do


conjunto o tema da ira de Aquiles, faz que este se transforme numa figura trágica. O
desmedido de sua ira, que, ao ver recusada sua petição, se transformou em hybris,
causa seu sofrimento mais profundo: a morte daquele que lhe é mais caro, seu
amigo Pátroclo. Neste sofrimento apaga-se a ira e só resta o desejo de vingança.
Mas a vingança consumada sobre Heitor, por concatenação fatal, causa o fim do
próprio Aquiles. Acentos trágicos também são discerníveis nas duas outras figuras
intimamente vinculadas a Aquiles pelo amor e pelo ódio. Pátroclo: entra na luta
advertido mas, no momento da decisão, esquece a medida a ele imposta e é
vencido pela morte. Heitor: tem seu grande dia quando os gregos, repelidos para as
naves, devem temer pela sorte. Mas ele quer continuar e, na embriaguez do êxito,
afasta de si o conselheiro Polidante, que por três vezes tenta embargar-lhe o
caminho. Além das alturas alcançadas, existe ainda um cume mais alto, o momento
em que ele veste a armadura de Aquiles, que tomara de Pátroclo morto. Numa cena
incomparável, o poeta ressaltou o trágico desse destino: Zeus observa Heitor, o
deus onisciente olha o homem tomado pela vitória, possuído pelo orgulho, e
lamenta-o, concedendo-lhe ainda uma hora de exaltação.” (2010, p. 25)
Referências Bibliográficas

BRANDAO, Junito de Souza. Teatro Grego: tragédia e comédia. 9a


Edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.
DONOFRIO, Salvatore. Literatura Ocidental: Autores e Obras
Fundamentais. São Paulo: Editora Ática, 1990.
HAMILTON, Edith. O Eco Grego. Tradução Edson Bini. São Paulo: Landy
Editora, 2001.
JAEGER, Werner. Paidéia A Formação do Homem Grego. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
LESKY, Albin. A tragédia grega. São Paulo: Perspectiva, 2010.
SAINT-VICTOR, Paul de. As Duas Máscaras – A Cultura da Grécia em
seu Teatro. São Paulo: Germape, 2002.
SCHULER, Donaldo. Literatura Grega. Porto Alegre: Editora Mercado
Aberto, 1985.
VEINE, Paul. Acreditavam os Gregos nos seus Mitos? Lisboa: Edições
70, 1983.
VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito e tragédia na Grécia
Antiga. São Paulo: Perspectiva, 2005.

You might also like