You are on page 1of 40

Fundamentos de Análise de

Segurança de Centrais Nucleares

O Acidente em Chernobyl, Ucrânia, 1986

Paulo Fernando F. Frutuoso e Melo


frutuoso@con.ufrj.br
A Central de Chernobyl
A central nuclear de Chernobyl,
que consistia de 4 reatores de
tubos de pressão com água
fervente e moderados a grafite,
está localizada a 130 km ao
norte da cidade de Kiev, a 3 km
da cidade de Pripriat e a 18 da
cidade de Chernobyl, na
Ucrânia, em uma área florestal
às margens do rio Pripriat;
A central pertencia e era
operada pelo ministério
soviético de potência e Fonte: nuclearwarsafe.com/images/chernobyl.gif, 8/3/04.
eletrificação.

Novembro 2006 Chernobyl 2/40


A Central de Chernobyl (cont.)
Fonte: www.whyfiles.org/130nukes/4.html, consultado em 8/3/2004

Novembro 2006 Chernobyl 3/40


RBMK-1000
• O reator de Chernobyl-4 era do tipo a grafite com
tubos de pressão (PTGR) com 1.000 MWe;
• A concepção soviética desse reator era o RBMK
(Reaktory Bolshoi Moshchnosti Kanalnye, reator de
alta potência com tubos de pressão) que combinam a
economia inerente de nêutrons do grafite com o
recarregamento de combustível on-line em um sistema
de duplo propósito, capaz de produzir tanto
eletricidade comercial, quanto plutônio (para fins não
comerciais);

Novembro 2006 Chernobyl 4/40


RBMK-1000 (cont.)
Fonte: R. A. Knief, Nuclear Engineering, Theory and Technology of
Commercial Nuclear Power, Taylor & Francis, New York, 1992.

Novembro 2006 Chernobyl 5/40


RBMK-1000 (cont.)
Fonte: R. A. Knief, op. cit.

Novembro 2006 Chernobyl 6/40


RBMK-1000 (cont.)
• Também representavam uma combinação de
grafite como moderador com a tecnologia dos
BWR, em uma época em que a antiga URSS não
era capaz de produzir os grandes vasos de pressão
necessários para os reatores pressurizados
ocidentais;
• Eletricidade com fins comerciais foi produzida
pela primeira vez em 1954 em um RBMK de
5MWe localizado em Obninsk, próximo a
Moscou.
Novembro 2006 Chernobyl 7/40
RBMK-1000 (cont.)
Diversos aspectos do reator RBMK e também
condições únicas em Chernobyl contribuíram para
o acidente, incluindo:
 Alto coeficiente de vazios de reatividade durante
condições operacionais com altas queimas de
combustível;
 Efeito positivo de desligamento das barras de controle
completamente retiradas;
 Efetividade insuficiente das instalações de
desligamento;
 Margem de reatividade de desligamento menor do que
a esperada.
Novembro 2006 Chernobyl 8/40
RBMK-1000 (cont.)
• O reator possui um comportamento distinto quanto à
reatividade porque utiliza grafite como moderador e água
como refrigerante.
• A água atua como moderador e absorvedor de nêutrons
ao mesmo tempo.
• Enquanto o efeito moderador da água é de menor
importância, comparado com o do grafite, o
comportamento do reator é consideravelmente
influenciado pela absorção de nêutrons pela água.
• Uma redução da densidade da água (por vazios) ou uma
perda de refrigerante conduz a uma redução significativa
da absorção neutrônica no núcleo do reator.
Novembro 2006 Chernobyl 9/40
RBMK-1000 (cont.)

• Portanto:
O RBMK possui um efeito positivo de reatividade
por vazios de vapor;
Além disso, o efeito positivo dos vazios aumenta
fortemente no decorrer da operação, conforme
queimas mais altas de combustível são feitas.
• Percebe-se a importância do conceito de defesa
em profundidade da NRC.

Novembro 2006 Chernobyl 10/40


Seqüência de Eventos

• Na época do acidente, estava sendo realizado um


teste para se avaliar a possibilidade de se usar
energia da turbina após o seu desarme como uma
fonte de energia elétrica de emergência para
resfriar o núcleo do reator imediatamente após o
seu desligamento;
• Ironia: o propósito era o de proporcionar
alternativas de segurança!

Novembro 2006 Chernobyl 11/40


Seqüência de Eventos (cont.)

A motivação era a de eliminar a necessidade de


alternativas dispendiosas:
Operação contínua de geradores diesel (que
partem muito lentamente para atender as
necessidades de energia elétrica imediatamente
após o desarme do reator);
Fornecer um meio completamente independente
de resfriamento auxiliar.

Novembro 2006 Chernobyl 12/40


Seqüência de Eventos (cont.)
• Até essa época, os reatores de Chernobyl
registravam recordes na operação, dentre os
melhores na antiga URSS;
• O teste em questão, considerado difícil,
havia sido tentado pelo menos duas vezes
desde 1984 mas não havia sido completado.
• O gerente da planta aceitou o desafio
baseado no que mais tarde seria denominado
“orgulho excessivo”.

Novembro 2006 Chernobyl 13/40


Seqüência de Eventos (cont.)

• O planejamento para o teste da turbina foi feito


por uma pessoa não familiarizada com o reator
RBMK-1000.
• Incluía uma seção de medidas de segurança que
aparentavam ter sido delineadas de uma
“maneira puramente formal” e não foi
encaminhado à Academia de Ciências em
Moscou para as revisões usuais.

Novembro 2006 Chernobyl 14/40


Seqüência de Eventos (cont.)
• O planejamento requeria que o nível de potência
estivesse no intervalo 700 – 1000 MWt;
• A níveis mais baixos de potência, a interação das
características térmicas, hidráulicas e nucleares
tornam o controle do reator muito mais difícil;
• O planejamento incluía o contorno (bypass) de
alguns sistemas de segurança;
• Contudo, o desligamento automático do reator
presumivelmente coincidiu com o desarme da
turbina no início do teste;
Novembro 2006 Chernobyl 15/40
Seqüência de Eventos (cont.)
• O teste estava programado para começar em seguida a
um desligamento normal ao meio-dia e para ser
completado durante esse turno;
• Um atraso não somente conduziu ao envolvimento de
pessoal adicional de outras equipes, mas também
alterou o comportamento do núcleo do reator e, desta
forma, a característica básica do teste;
• A situação tornou-se ainda mais difícil devido a
pressões externas para completar o teste antes do fim de
semana que precedia o feriado de 1o de maio, pois o
desligamento planejado seguinte só ocorreria daí a um
ano.
Novembro 2006 Chernobyl 16/40
Seqüência de Eventos (cont.)

Imediatamente antes do início do teste, a planta estava


em uma condição extremamente instável, pois havia:
 uma condição de carga desfavorável;
 um nível baixo de potência com uma distribuição de
potência desfavorável;
 uma alta vazão de refrigerante no núcleo;
 uma vazão reduzida de água de alimentação para o reator
com temperatura crescente do refrigerante na entrada do
núcleo; e
 uma distribuição espacial instável de xenônio.

Novembro 2006 Chernobyl 17/40


Seqüência de Eventos (cont.)

• No início do teste, conforme planejado, 4 bombas


principais de resfriamento tiveram reduzidas as suas
vazões de descarga;
• Essa redução, junto com o desligamento do reator,
realizado logo depois e junto com o estado instável da
planta, a princípio conduziram a um aumento de mais
de 15% da potência e, em poucos segundos, a uma
excursão descontrolada de potência, a qual levou a um
rápido aumento da liberação de energia nos elementos
combustíveis e à destruição do núcleo.

Novembro 2006 Chernobyl 18/40


Seqüência de Eventos (cont.)

• O calor armazenado no combustível foi rapidamente


transferido para o refrigerante ao redor, o qual
praticamente evaporou, o que aumentou ainda mais a
potência, devido ao coeficiente positivo de vazios da
reatividade.
• O grande aumento de pressão resultante, conduziu à
explosão do reator, a qual destruiu parte do prédio do
reator da unidade 4, o prédio da turbina e o prédio de
conexão. As paredes do reator foram parcialmente
destruídas e o teto completamente destruído.

Novembro 2006 Chernobyl 19/40


Seqüência de Eventos (cont.)
•A liberação de energia foi
suficiente para que os blocos
de grafite sofressem ignição,
o que resultou em um
incêndio.
•Este espalhou combustível e
produtos de fissão no prédio
do reator e nos arredores da
central.
•Foi construído um sarcófago
em torno do reator destruído
(encapsulado por 30 anos).
Fonte: www.chemcases.com/nuclear/, consultado em 8/3/2004.

Novembro 2006 Chernobyl 20/40


Seqüência de Eventos (cont.)
Fonte: www.world-nuclear.org/info/chernobyl/inf07.htm, consultado em
8/3/2004

Novembro 2006 Chernobyl 21/40


Estimativa de Liberações de
Produtos de Fissão
100
Estima-se que

% liberado estimado
cerca de 3,5% do 80
combustível foi
60
ejetado do reator,
além de todos os 40
gases nobres.
20
O termo fonte do
acidente excedeu 0

Pu 2
C 1
X 5
3

C 4
7

Pu 8

Pu 9

Pu 0
1
100 MCi.
13
3
r8

13

13

13

23

23

24

24
I1
K

Te
e

Fonte: R. A. Knief, op. cit.

Novembro 2006 Chernobyl 22/40


Estimativas de Dispersão
Fonte: www.arl.noaa.gov/ss/transport/chernobyl.html, consultado em 8/3/2004

Novembro 2006 Chernobyl 23/40


Estimativas de Dispersão (cont.)
Fonte: www.digilander.libero.it/Dashana/chernobyl.html, consultado em
8/3/2004.

Novembro 2006 Chernobyl 24/40


Estimativas de Dispersão (cont.)
Fonte: www.worldprocessor.com/images/chernobyl.jpg, consultado em 8/3/2004.

Novembro 2006 Chernobyl 25/40


Estimativas de Dispersão (cont.)
Fonte: www.ems.edu/~nesc/f7_2.htm, consultado em 8/3/2004.

Novembro 2006 Chernobyl 26/40


Chernobyl: Efeitos
• O pessoal da planta, os bombeiros e militares do
exército foram empregados para combater
imediatamente o incêndio e também para cobrir o
núcleo exposto do reator.
• Cerca de 300 pessoas fora levadas para hospitais. Parte
deste grupo (134) recebeu altíssimas doses de radiação
e mostrou sinais de doenças agudas.
• 28 pessoas morreram devido à exposição intensa à
radiação e também ao incêndio.
• As doses de corpo inteiro chegaram a 13 Gy. A chance
de sobrevivência para uma dose de corpo inteiro de 4
Gy é de 50%.
Novembro 2006 Chernobyl 27/40
Impactos Estimados sobre a
Saúde
Dose Câncer fatal Retardamento Alteração genética
População coletiva mental severo
Região (106) Vida Natural Induzido Natural Induzido Natural Induzida
inteira (103) (%) (103) (%) (103) (%)
(103
pessoa.Gy)
Evacuados 0,135/0,116 16 17 2,4 0,013 0,018 6,9 0,87
URSS
URSS 75 470 9.400 0,12 7,2 0,27 3.900 0,02
Europa
URSS Ásia 225 110 28.000 0,01 22 0,06 12.000 0,001
Europa 400 580 72.000 0,02 38 0,33 21.000 0,004
(outros)
Ásia 2.600 27 450.000 ~0 240 - 130.000 -
(outros)
EUA 226 1,1 41.000 ~0 22 - 12.000 -
Hemisfério 3.500 1.200 600.000 0,005 340 0,7 180.000 0,01
norte

Fonte: M. Goldman et al, Health and Environmental Consequences of the Chernobyl Nuclear Power Plant
Accident, DOE/ER-0332, June 1987.
Novembro 2006 Chernobyl 28/40
Chernobyl: QI e Radiação
Fonte: www.oswego.edu, consultado em 8/3/2004.

Novembro 2006 Chernobyl 29/40


Causas do Acidente e Lições:
Perspectiva soviética
O relatório soviético inicial culpou inteiramente os
operadores, ao ultrapassarem limites de operação e de
segurança. Dentre as causas:
 Barras de controle mal posicionadas (i.e., completamente
retiradas);
 Nível de potência abaixo do especificado pelo procedimento de
teste.
 Operação de todas as 8 bombas de circulação principal com
vazão de refrigerante excedendo os limites autorizados;
 Bypass de diversos sinais de desligamento do reator e
desabilitação de outros sistemas de segurança de engenharia.

Novembro 2006 Chernobyl 30/40


Causas do Acidente e Lições:
Perspectiva internacional
Avaliações fora da URSS identificaram aspectos
institucionais profundos, refletidos tanto por defeitos
específicos do projeto do reator como por sérias falhas nos
sistemas de gestão (do nível da planta até ao de governo).
Causas proeminentes do acidente relacionadas com o
projeto incluem:
– Coeficiente positivo de vazios da reatividade;
– Sistemas de segurança facilmente bloqueáveis;
– Desligamento lento (15-20 s para inserção total, 5 s para
reatividade negativa efetiva);
– Ausência de sistemas da contenção e de controle de produtos
de fissão.
Novembro 2006 Chernobyl 31/40
Causas do Acidente e Lições:
Ligadas à Gestão
• Autoridade conflitante (p. ex., entre o diretor do
teste, o gerente da planta e o operador sênior);
• O teste começou sem uma compreensão inicial das
exigências de segurança do reator e continuou com
condições não planejadas;
• Aprovação para desconsiderar sistemas de
segurança;
• Treinamento e re-treinamento inadequados
incluindo falta de um simulador da sala de controle;
• Falta de sistemas de resposta de emergência
avaliados com exercícios;
• Ausência de antecipação desse tipo de evento pela
gerência, pelos projetistas e pelos operadores;
Novembro 2006 Chernobyl 32/40
Causas do Acidente e Lições:
Ligadas à Gestão (cont.)
• Ausência generalizada de gestão efetiva em todos os
níveis para assegurar condução segura e ênfase das
exigências para operação, manutenção e testes.
• Não existia uma abordagem de defesa em
profundidade para o projeto e operação.
• O projeto não era capaz de lidar com eventos de
baixas freqüências de ocorrência e altas
conseqüências.
• Não havia auditorias de segurança independentes com
poderes coercivos.

Novembro 2006 Chernobyl 33/40


Ações Corretivas para os
RBMK-1000
• Inserção de barras de controle com uma profundidade
mínima permanente (1,3m);
• Modificações e outras ações para evitar que os
operadores possam contornar manualmente sistemas
de segurança;
• Redução do coeficiente positivo de vazios de
reatividade;
• Desenvolvimento de capacitação de desligamento
alternativa.

Novembro 2006 Chernobyl 34/40


Ações Corretivas para os
RBMK-1000 (cont.)
• A resposta temporária imediata à redução do coeficiente
de vazios foi a inserção completa de 81 barras de
controle e a desconexão de seus cabos de manipulação;
• A longo prazo, o enriquecimento foi aumentado de
2,0% em peso para 2,4% em peso, conforme os
elementos combustíveis eram substituídos nas recargas;
• As duas medidas acima reduzem a importância relativa
do refrigerante como absorvedor de nêutrons.
• Foram avaliados absorvedores sólidos, líquidos e
gasosos para diversas sistemas de desligamento
• Um novo sistema de desligamento cerca de 10 vezes
mais rápido (2,1 s) foi testado no reator de 1500 Mwe
de Ignalina (Lituânia).
Novembro 2006 Chernobyl 35/40
Ações Corretivas para os
RBMK-1000 (cont.)
• Implementação de mudanças organizacionais para
aumentar a disciplina e a qualidade dos procedimentos;
• Análise de todos os modos de comportamento da
planta, incluindo os que vão além da base de projeto;
• Intensificação de treinamento e re-treinamento dos
operadores, com o uso de simuladores da sala de
controle;
• Preparação de planos de evacuação melhorados e de
outras atividades ligadas à resposta a emergências;
• Aumento da supervisão governamental quanto à
segurança nuclear, incluindo a criação de um novo
ministério da engenharia da energia nuclear na URSS
para melhorar os padrões soviéticos dessa indústria.
Novembro 2006 Chernobyl 36/40
Ações Corretivas de Longo
Prazo (cont.)
• Atenção significativamente maior com a informação do
público e com as relações públicas concernentes às
questões nucleares;
• Estudo de sistemas de segurança passivos e de reatores
inerentemente mais seguros;
• Realização de APS, com apoio da Alemanha e de outros
países da Europa Ocidental;
• Reordenação das prioridades de pesquisa e
desenvolvimento (P & D);
• Participação em programas internacionais ligados à
segurança (p. ex., WANO).
Novembro 2006 Chernobyl 37/40
Lições Comuns
Fonte: E. L. Zebroski, “Sources of Common Cause Failure in Decision Making Involved in
Man-Made Catastrophes”, Advances in Risk Analysis, v. 7, Plenum Press, New York, 1989.

• Responsabilidade difusa com procedimentos rígidos e


canais de comunicação: grandes distâncias
organizacionais entre os tomadores de decisão e “a
planta”.
• Convicção de que o sucesso é inevitável ou rotineiro:
desprezo a riscos inerentemente severos.
• Crença de que basta o cumprimento de regras para
garantir a segurança.
• Características de trabalho em equipe altamente
valorizadas, forte ênfase em troca de experiências e de
pontos de vista, e proibição de divergências mesmo
para riscos evidentes.
Novembro 2006 Chernobyl 38/40
Lições Comuns (cont.)
Fonte: E. L. Zebroski, op. cit.

• Ausência de processo de revisão sistemática de


experiência externa relevante.
• Desconsideração de lições aprendidas: desprezo a
precauções largamente adotadas em outras
instalações.
• Análise de segurança e respostas subordinadas a
outros objetivos de desempenho e prioridades de
operação.
• Ausência de procedimentos efetivos de emergência,
de treinamento e de exercícios para condições
incomuns ou severas.
Novembro 2006 Chernobyl 39/40
Lições Comuns (cont.)
Fonte: E. L. Zebroski, op. cit.

• Aceitação de aspectos de projeto e de operação


envolvendo perigos reconhecidos que foram
controlados ou evitados em outras plantas.
• Falha em usar técnicas disponíveis de gestão de
projeto para a avaliação sistemática de riscos.
• Indefinição de responsabilidades organizacionais e
de autoridades para o reconhecimento e a
integração de questões de segurança.
• As lições acima referem-se aos acidentes de TMI,
Bhopal, Chernobyl e Challenger.

Novembro 2006 Chernobyl 40/40

You might also like